Por Luís Felipe Ramos Ferreira Cirino
É bastante recorrente, no meio jurídico, afirmar-se que, no âmbito de qualquer sociedade empresária, os quotistas podem exercer o correspondente direito de retirada a qualquer tempo, de forma imotivada.
Tal hipótese está, inclusive, amparada em matriz constitucional, na medida em que o próprio art. 5º, da Constituição Federal preconiza a liberdade de associação – e da correspondente desvinculação a qualquer tempo:
“XX – ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”
A afirmação destacada no primeiro parágrafo deste ensaio está, por natureza, equivocada. Há tipos societários que, exceto ajuste contratual em sentido diverso, não permitem, a princípio, o exercício do direito de retirada de forma imotivada. O caso classicamente apontado pela doutrina talvez seja o das sociedades anônimas – especialmente de capital aberto -, em que as hipóteses de dissolução se restringem, em regra, àquelas do art. 137, da Lei nº 6.404/1976.
Com relação às sociedades limitadas, contudo, a disciplina merece especial atenção, notadamente quando há menção, em contrato social, à aplicação supletiva da Lei nº 6.404/1976. Muito embora, de fato, a jurisprudência sistematicamente tenha resguardado o direito do sócio retirante em desvincular-se da sociedade empresarial a qualquer tempo – e sem qualquer justificativa, destaque-se -, há alguns precedentes que, salvo entendimento diverso, estão em maior consonância com a legislação de regência.
Explica-se.
O art. 1.029, do Código Civil, preconiza a plena possibilidade do exercício do direito de retirada imotivadamente, sem qualquer ressalva, em se tratando de sociedade por prazo indeterminado. Vejamos a redação do dispositivo:
“Art. 1.029. Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade; se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta dias; se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa”.
Ocorre que o dispositivo em questão é, nos termos do próprio Código Civil, aplicável às sociedades simples, não se estendendo de forma automática às limitadas – tipo societário mais recorrente no direito brasileiro.
É bem verdade que o art. 1.053 – este já no trecho aplicável às limitadas -, estabelece a aplicação das normas das sociedades simples àquele tipo societário, “nas omissões deste Capítulo”.
A problemática central deste ensaio, contudo, guarda íntima relação com o parágrafo único do mesmo art. 1.053, que preceitua a possibilidade de se prever, no âmbito das limitadas, a regência supletiva das normas da sociedade anônima – o que, por questões várias, costuma ser amplamente recomendado por profissionais da área.
Neste sentido, exsurge questão relevantíssima. Se prevista a regência supletiva da Lei nº 6.404/1976 em contrato social de sociedade limitada que não preceitue, expressamente, a aplicação do art. 1.029, do Código Civil, poderão os sócios pleitear o exercício do direito de retirada de forma imotivada?
A questão foi, recentemente, objeto do julgamento do Recurso Especial nº 1.839.078, em que se deu provimento ao recurso de um sócio que teria exercido seu direito de retirada de forma imotivada, no âmbito de uma sociedade limitada cujo contrato social previa a aplicação supletiva da Lei nº 6.404/1976.
No caso concreto, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu que o sócio pode se retirar imotivadamente de uma sociedade limitada, ainda que seja regida de forma supletiva pelas normas relativas à sociedade anônima. Nas palavras do Min. Relator:
“(…) a simples ausência de previsão de retirada voluntária imotivada na Lei 6.404/1976 não pode ser automaticamente terpretada como proibição de sua ocorrência nas sociedades limitadas regidas supletivamente por essa norma”
Vê-se que, apesar de o Superior Tribunal de Justiça ter ratificado o posicionamento no sentido de aplicação, às sociedades objeto do presente estudo, do art. 1.029, do Código Civil, fato é que houve, no próprio caso analisado pelo colegiado, divergência entre cortes, na medida em que o STJ deu provimento ao Recurso Especial interposto, modificando-se o entendimento proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.
Em conclusão, a irrefreada aplicação supletiva das normas da Lei nº 6.404/1976 às sociedades limitadas – o que, como destacado, é amplamente recomendado por profissionais da área -, deve, na prática, ser encarada com ceticismo. É possível que, para além das múltiplas vantagens identificadas na manobra jurídica – notadamente, permitir ao meio empresarial adotar diploma legal amplamente ratificado pela jurisprudência e pelos aplicadores do direito -, sejam trazidos às sociedades limitadas regramentos eventualmente desinteressantes.
A solução para tais situações, contudo, é de relativa simplicidade: buscar, na elaboração de documentos societários – que são complexos, por natureza – o apoio de profissionais especializados. A problemática trazida no presente artigo poderia ser facilmente resolvida com a disposição, em contrato social ou acordo de sócios, prevendo-se a (im)possibilidade do exercício do direito de retirada imotivada no âmbito de uma sociedade limitada.